Vamos conversar?
Ah, Capitu... Machado de Assis não economizou nas camadas quando esculpiu essa personagem e sempre tive a sensação que ele me deu de presente!
“Olhos de cigana oblíqua e dissimulada”
Esses olhos, descritos por Bentinho (Dom Casmurro) como tortos, misteriosos e cheios de intenções escondidas, são quase personagens por si só. Não olham apenas — insinuam, sugerem, confundem. É como se ela falasse com eles mais do que com a boca.
Capitu é inteligente, sagaz, perspicaz até demais pro gosto do Bentinho. Desde criança, ela já dava sinais de que não era flor que se cheire... ou melhor, era uma flor, mas daquelas com espinhos afiados e perfume hipnótico. Ela seduz sem fazer força, manipula com charme, e deixa todo mundo (inclusive o leitor) sem saber se é culpada ou vítima da paranoia de um marido inseguro.
Ela representa uma mulher à frente do seu tempo: independente, com uma mente aguçada e cheia de vontade própria — o que, diga-se de passagem, assusta. Machado a construiu de forma tão inteligente que até hoje ninguém bate o martelo sobre sua fidelidade. Capitu traiu ou não traiu? Essa dúvida é o verdadeiro crime do livro, um mistério que gruda na cabeça do leitor.
Resumindo: Capitu encanta, desconcerta e some no final deixando um rastro de perguntas e uma certeza só — nunca mais se olha para o amor e o ciúme da mesma forma depois de conhecer essa “cigana oblíqua e dissimulada”.
Capitu tem um pouco de mim, e tem muito de nós — mulheres de ontem, de hoje, e talvez até das de amanhã. Ela é quase um espelho embaçado onde a gente se vê refletida em fragmentos: ora forte, ora enigmática, às vezes mal interpretada... mas sempre mais complexa do que querem acreditar que somos.
Capitu carrega dentro dela aquele dilema feminino: ser esperta sem ser chamada de manipuladora, ser bonita sem ser acusada de sedução. Ela é a mulher que pensa rápido, sente fundo e age com estratégia — e isso, pra muitos homens (e até pra algumas mulheres), ainda é visto como “suspeito”. Como se a inteligência feminina viesse sempre com segunda intenção.
Ela também representa a mulher que não cabe na caixinha: não é submissa, mas também não é rebelde à toa. Não grita, mas sabe se impor. Não se faz de vítima, mas também não baixa a guarda. E o pior (ou o melhor): ela nunca dá certeza. É isso que deixa Bentinho doido da cabeça — e que, convenhamos, também já enlouqueceu muita gente que tentou "entender" uma mulher sem aceitar que mistério também é parte do charme.
Capitu tem aquele olhar que fala mais que mil palavras, aquele silêncio que pesa mais que discurso. E a gente, mulher, conhece bem esse poder, mesmo que nem sempre use. Porque ser mulher é, muitas vezes, dançar num campo minado de julgamentos, equilibrando intuição e razão, vulnerabilidade e força.
Então sim: Capitu tem um pouco de todas nós. E talvez por isso ela ainda incomode tanto — porque nos lembra que ser mulher é ser uma constante contradição... e que isso não é defeito, é potência.
❤️